O
BARBEIRO QUE TEM DE NOME
MAS NÃO É DE
SEVILHA.
Há
muitos anos que o Pombalinho só tem um barbeiro. O existente, num raio de 15 quilómetros,
dá pelo nome de Sevilha.
A
alcunha creio, foi por força da conhecida ópera, Barbeiro de Sevilha, e a
similitude com a história de Fígaro. Este “baeta”, da nossa vizinha Espanha, fazia
de “tudo”. Reza a história, (entre outros predicados), que atento às confissões
de alguns clientes, passava-as a outros sem deixar de acrescentar mais um ponto,
enfim… um verdadeiro prodígio não só na arte de barbear como também da
imaginação.
O
nosso amigo barbeiro, talvez não (tenha) tivesse tantos “predicados”, mas pela analogia
da profissão, da alcunha não se safou. Hoje, cá na terra, ninguém o trata pelo
nome de baptismo, que é Heliodoro da Silva Bacalhau, Sevilha ficou.
Vou
ao seu encontro. Ao entrar no modesto e pequeno salão, (anos 50), situado na
entrada da sua residência, vejo-o de mão estendida para cumprimento deste seu
novo cliente.
Enquanto
a articulada cadeira me é recomendada, reparo que as paredes são brancas
amareladas, mostrando quão velha é a sala de trabalho. Observo os apetrechos da
profissão colocados sobre os móveis que são pequenas gavetas apoiadas por
estreitas poleias. Um ou outro calendário com a imagem de senhoras pró sensual
fazem parte do layout.
O
avental de serviço desse dia é-me colocado.
Na
minha frente, no necessário espelho contemplo reflectida a sua imagem com a tesoura
e o pente na mão.
Pergunta:
Como
quer o corte?
Cheio
respondi!
Está
bem, não precisa de dizer mais nada!
Este
meu “novo” barbeiro tem 76 anos de idade, de constituição magra e pequeno na altura.
Enquanto
me “tosquiava”, com ar semblante e curioso, perguntou:
De
férias? Mora onde? É familiar de quem?
Respondi à sua curiosidade.
Assegura,
sorrindo, que eu tinha feito bem ao deslocar-me para a aldeia!
Acrescenta,
algo gabarola, que apesar da idade já avançada e das vicissitudes da vida, nunca
esteve doente.
Ficou
admirado quando lhe disse que o seu “percurso” não me era totalmente
desconhecido.
Disseram-me
que trabalhou nas barbearias mais chiques de Santarém.
Que
no Pombalinho tinha sido treinador do Clube Vera Cruz Futebol.
Que
tinha por paixão adquirir bicicletas pasteleiras e automóveis em desuso.
Ui
meu amigo, não só.
Não
só meu amigo retorquiu. Não só!
A
vida foi bem dura.
Não
fui bem-sucedido como emigrante na Alemanha.
Fui
longos anos maltês (*) numa quinta na periferia da aldeia. Ferrava pelas quatro
horas da manhã para cuidar do rebanho de cabras que tinha agrupado com o gado
do patrão.
Quando
o sol raiava era agarrar na motoreta e seguir para Santarém para responder à
profissão de barbeiro que desde os 13 anos abracei.
A
vida foi bem dura para mim e para a Florinda.
A
Florinda era o nome da minha mulher que choro todos os dias. Foi a mulher da
minha vida. Companheira sofrida. Mãe dos meus dois filhos.
Essa
do futebol é para esquecer, o Vera Cruz Futebol Clube foi um clube muito
animado pela mocidade do Pombalinho. Foi fundado em 1933, ainda eu não era
nascido. Passado cerca de uma década acabou. Renasceu anos mais tarde. Por
volta dos anos 70 fui seu treinador. Era mais uma tarefa a juntar ao meu
currículo.
Apesar
de tudo, ainda tinha tempo para treinar a rapaziada. Mas tudo acaba. Quando
larguei essa tarefa ao cabo de 12 anos, o clube se desmoronou. Hoje só resta o
campo de futebol.
Mas
você quer uma bicicleta "pasteleira" para recuperar?
Eu
não vendo!
Ofereço-a.
Tenha
um bom dia.
Nota
(*)Trabalhador
agrícola que se desloca para trabalhar temporariamente fora da sua terra.