Coleccionador de
diplomas, com duas licenciaturas, três mestrados e actualmente a meio de um
doutoramento, este ex-futebolista, professor e psicólogo tem como um dos lemas
de vida estudar. Desapontado com a política não pensa em recandidatar-se e
critica quem esteve no poder em Santarém nas últimas décadas e votou a sua
freguesia ao abandono. “Moita Flores foi uma desilusão total”, confessa.
No seu primeiro mandato como presidente da Junta do
Pombalinho, Luís Santana Júlio já garantiu um lugar na história da freguesia
que recentemente deixou o concelho de Santarém para integrar o da Golegã,
protagonizando a única alteração no território de municípios à escala nacional
no âmbito da reorganização administrativa territorial em curso.Este homem
discreto e de semblante fechado aproveitou a revolução no mapa das freguesias
para concretizar um anseio da população do Pombalinho. E, facto digno de
realce, conseguiu-o sem fazer ondas nem causar reacções inflamadas, num
processo conduzido com pinças e que acabou com a aclamação por todas as partes
envolvidas. Sim, porque ver autarcas de um concelho aplaudirem a perda de uma
freguesia para um concelho vizinho, como aconteceu na Assembleia Municipal de
Santarém, deve ser inédito no nosso poder local.Luís Júlio assume-se como rosto
da mudança mas diz que se tratou de obra colectiva, da população da freguesia,
do concelho que os deixou partir e do município que agora os acolheu. O
abandono a que a freguesia estava votada falou mais alto e levou ao quebrar das
amarras afectivas que ligavam historicamente o Pombalinho a Santarém. “O
Pombalinho sentia-se como um filho que não era bem tratado e por isso decidiu
sair de casa”, sintetiza o autarca eleito pelo Movimento Independente de
Cidadãos de Pombalinho.A freguesia poderia ter tentado manter-se autónoma, fugindo
à agregação, como fizeram outras freguesias menos populosas do concelho, mas o
desagrado da população face à actuação da Câmara de Santarém, apesar das
promessas de Moita Flores, e da empresa municipal Águas de Santarém foi
decisivo.Duas licenciaturas e três mestradosLuís Filipe Santana Júlio nasceu no
Pombalinho a 15 de Junho de 1965 e sempre ali residiu. Não tenciona
recandidatar-se a presidente da junta porque a sua vida pessoal e profissional
já lhe exige demasiado. Mas vai continuar disponível para os combates em prol
da sua freguesia, assegura.É professor na Escola Secundária do Entroncamento e
na Universidade Lusófona em Lisboa, é proprietário com a esposa de uma creche e
jardim de infância no Entroncamento, é psicólogo clínico e assumiu recentemente
o cargo de coordenador técnico da Associação de Futebol de Santarém,
regressando a um mundo a que esteve ligado como praticante e treinador em
clubes como o Torres Novas, Ferroviários do Entroncamento, União de Tomar,
Tramagal, Azinhaga ou Alcanenense. Praticou ainda atletismo na União de
Santarém e nos Bombeiros Voluntários de Almeirim, destacando-se nas provas de
velocidade (100 e 200 metros). Em 1989 ficou em 10º no ranking nacional dos 100
metros com um tempo de 10,99 segundos.Além disso, Luís Júlio ainda tem tempo
para continuar a estudar, estando a meio de um doutoramento em educação física
e desporto. Para trás estão duas licenciaturas de cinco anos, em Educação
Física e em Psicologia, duas pós-graduações e três mestrados. “Tenho um
desígnio pessoal, que é estudar até me reformar”, diz.A vontade de saber mais,
inserido num sistema que certifica essa aprendizagem, vem da sua mãe, Georgina
Santana Júlio, que foi professora primária durante muitos anos no Pombalinho e
na aldeia vizinha de Reguengo do Alviela. “Acho que se conciliarmos a
experiência com a formação ficamos com mais competências e mais capacidade para
desempenharmos as tarefas com que nos deparamos na vida”, diz Luís Júlio, 47
anos, casado e pai de dois filhos - um rapaz já na faculdade e uma rapariga que
estuda no 10º ano.A desilusão com Moita FloresVai recandidatar-se ao cargo?Não
tenho essa intenção e já o disse aos meus colegas.Cansou-se da política?Não é
isso, mas nunca pensei em vir para isto.Então como chegou à política?Nasci e vivi
sempre aqui. Sempre estive envolvido em combates nesta freguesia contra os
erros que levaram à situação de quase estado de coma a que o Pombalinho chegou
nos últimos anos. Uma série de pessoas mobilizou-se neste projecto de quatro
anos para inverter a tendência a que se vinha assistindo. A minha vida
profissional é um pequeno inferno e é difícil gerir tudo isto. Mas no futuro
estarei sempre na luta para ajudar esta freguesia, mesmo que não me recandidate
ao cargo de presidente da junta de freguesia.E muito menos em lista de um
partido político, presumo.Isso muito menos. Temos uma máxima aqui na junta que
é: o nosso partido chama-se Pombalinho. Fomos um movimento independente com
alguma ligação ao presidente Moita Flores, porque nos foi prometido um conjunto
de obras que nem eram difíceis e a desilusão é total. Em sete anos, o
presidente Moita Flores não fez mais do que repetir os erros que os executivos
anteriores cometeram. Não fez absolutamente nada. Estas populações rurais só
interessam aos candidatos às câmaras nos dias das eleições. As populações são
utilizadas para projectos pessoais e rapidamente são esquecidas.Sentiu-se
utilizado por Moita Flores?Sim. Sentimo-nos utilizados por termos contribuído
para a maioria absoluta que depois lhe permitiu gerir o município da forma que
melhor entendeu, não tendo havido reciprocidade e deixando o Pombalinho sem
absolutamente nada. Sem contributo de qualquer espécie. Mas nunca caímos numa
situação de queixa ou de pedido sistemático à câmara. Recusamos andar a mendigar
e assumimos nós próprios um conjunto de actividades e de serviços com a
população que mantemos à nossa custa.Como por exemplo?A Junta do Pombalinho
assegura gratuitamente o transporte de pessoas idosas a Santarém seja para ir à
Segurança Social ou ao hospital. Só têm que avisar. Temos transporte escolar
gratuito para as crianças desde a porta de casa de cada uma. Ajudamos a Casa do
Povo no apoio psicológico a pessoas. Fizemos cursos de formação e de
alfabetização, neste caso o único feito no concelho. Temos sete passeios para a
população por ano. E não há nenhuma data importante que não comemoremos.
Sentimo-nos desfavorecidos, mas rejeitamos uma posição de dependência da
câmara.Comparar Pombalinho e Azinhaga é como comparar o Gabão com o CanadáEsperava
ver autarcas de um concelho aplaudirem a perda de uma freguesia para um
concelho vizinho, como sucedeu com os eleitos da Assembleia Municipal de
Santarém?Tínhamos esperança que isso pudesse acontecer, apesar de não ser
fácil. Assistiu-se a um momento histórico na Assembleia Municipal de Santarém e
que será mesmo raro em qualquer assembleia municipal do país. Houve ali um
surpreendente unanimismo que talvez seja resultado da campanha que fizemos e da
fundamentação que apresentámos. As pessoas foram sensíveis aos argumentos de
que o Pombalinho se sente desfavorecido por Santarém ao longo dos anos em
relação a freguesias vizinhas. Foi um processo pacífico e único no país. Fomos
a única freguesia que mudou de concelho. Isso obviamente agradou-nos e também
valoriza aqueles que aprovaram essa decisão e se solidarizaram connosco.As
pessoas do Pombalinho não vão ter saudades da ligação ao concelho de
Santarém?Alguma provavelmente terão. É importante dizer que o Pombalinho
afectivamente esteve sempre muito ligado a Santarém. Não se trata de uma
questão de identidade. Aquilo que levou a população, de forma unânime, a querer
a mudança de concelho foi fugir à anexação a São Vicente do Paul e considerar
que o concelho da Golegã oferece um conjunto de serviços, em virtude da
proximidade que tem com a nossa freguesia, que por muito que os eleitos de
Santarém tenham vontade de oferecer não conseguem.A distância à sede de
concelho foi sempre um obstáculo.É impossível um município com 28 freguesias
chegar a uma localidade que está a 25 km como é o Pombalinho. Aliás, foi isso
que se verificou ao longo dos últimos 35 anos, em que o Pombalinho esteve
sempre muito distante daquilo que são o apoio e os serviços que Santarém devia
prestar e que, no nosso entender, não prestou.Qual foi o segredo para levar
este processo a bom porto sem polémicas nem guerrinhas de paróquia?A nossa
estratégia passou por não confrontar nem agredir ninguém e jogar apenas com os
argumentos. Numa segunda fase foi a mobilização da população, com uma assembleia
popular e a recolha de mil assinaturas, e depois com a deslocação de muitas
pessoas a Santarém à assembleia municipal com cartazes a pedir apenas que nos
deixassem ser um pouco mais felizes. Para satisfação nossa, os argumentos foram
atendidos e não ficaram ressentimentos nem feridas abertas. Porque não queremos
ajustes com a História, apenas pretendemos que uma freguesia rural
desfavorecida tenha o direito a ser mais feliz.Já o processo de agregação de
freguesias no concelho de Santarém não foi tão pacífico. Que comentário lhe
merece?Quando surgiu a primeira proposta do Governo, o célebre documento verde,
o único documento que foi produzido no concelho de Santarém foi elaborado por
nós a partir do Pombalinho. Identificámos nessa proposta de lei tudo o que
estava errado e as consequências que daí poderiam vir. A partir daí estive
envolvido com companheiros de outras freguesias no combate a essa proposta. Ela
foi alterada mas na globalidade o processo está errado e força as freguesias a
agregações que não são desejáveis. Vai prejudicar a vida de muitas freguesias e
penso mesmo que esses problemas vão acentuar-se com o aproximar das eleições
autárquicas.De que forma?Vai ser muito complicado gerir interesses, candidatos
e partidos. E no futuro a relação, que até aqui foi quase sempre de boa
vizinhança, entre freguesias pode mudar. Podem-se abrir ressentimentos e
reacender conflitos que aconteceram há muitos anos. O que não é bom para um
país que está a atravessar uma grave crise. O que se pretende é uma dinâmica de
desenvolvimento entre freguesias e não de conflito pessoal e social, que é
aquilo que prevejo.O que espera desta mudança para o concelho da Golegã?Para
nós é como se fosse um recuar no tempo e a abertura de novas perspectivas. A
Golegã, por ter só duas freguesias, é um concelho que oferece um conjunto de
serviços, de equipamentos e de actividades nas suas freguesias que não tem
paralelo com Santarém. A proximidade à Golegã possibilita uma intervenção
imediata em aspectos tão simples como cortar uma árvore. Santarém está longe e
não tem essa capacidade devido à burocracia e à dimensão da câmara. Estão
criadas as condições para termos as intervenções necessárias em algumas zonas
da freguesia.O que acha do concelho que os recebe agora?Quem não conhecer esta
zona e que percorra a freguesia do Pombalinho para depois entrar na freguesia
de Azinhaga vai pensar que está a entrar num país diferente. Meio a brincar,
até já disse que é como passar do Gabão para o Canadá. Na Azinhaga há um
desenvolvimento que coloca o Pombalinho quase ao nível do terceiro mundo,
quando são duas freguesias vizinhas. Isto é resultado da diferente dinâmica
nestes dois concelhos ao longo dos anos. São coisas que entram pelos olhos das
pessoas. Em dez minutos percebe-se isso. O município da Golegã deu um salto
enorme nos últimos anos em termos de qualidade de vida.As perspectivas agora
são mais risonhas.Claro que não vamos reivindicar agora tudo o que Azinhaga
conseguiu ao longo dos anos, até porque o Pombalinho não tem população que justifique
a construção de alguns desses equipamentos. Mas lutaremos sempre pelo
funcionamento da nossa escola e da extensão de saúde, que já só funciona duas
vezes por semana durante duas horas. Queremos também preservar o apoio que a
Casa do Povo do Pombalinho presta no apoio domiciliário. Esses são os serviços
sociais que temos.Futebol distrital vivia num mundo virtualNos dez anos em que
esteve fora da Associação de Futebol de Santarém muita coisa mudou e alguns
clubes históricos ficaram pelo caminho afogados em dívidas. “O futebol
distrital está mais realista. Dantes havia clubes com orçamentos absolutamente
incomportáveis. Mas, curiosamente, hoje no futebol jovem existe uma enormidade
de equipas e o futsal também se desenvolveu muito”.Luís Júlio reconhece que os
clubes andaram a viver muito acima das suas possibilidades e sentiu isso na
pele, pois ficou com dinheiro por receber de vários emblemas que representou. E
as autarquias ajudaram à festa, alimentando projectos que não tinham condições
de se auto-sustentarem. “Eram projectos virtuais. Quando as câmaras, em
situação de necessidade, tinham de reduzir os orçamentos os clubes ficavam sem
meios”.O coordenador técnico da AFS diz que deixou o futebol um pouco
desiludido com esse mundo virtual que rodeava o meio. “Não podemos estabelecer
um compromisso com jogadores e com pessoas que trabalham numa equipa e depois,
passados uns meses, já não se consegue sequer pagar o transporte às pessoas”.O
amigo e treinador Nuno Presume, também natural do Pombalinho, que vai ser o
técnico da selecção distrital de futebol de Sub-15, é um dos colegas que com
ele alinham na equipa de veteranos do Pombalinho que já defrontou equipas do
Sporting, Benfica ou Belenenses. Porque a máxima de mente sã em corpo são
continua a fazer todo o sentido, ou não fosse ele um homem ligado ao desporto e
à psicologia.Uma rua dividida entre dois concelhosA transferência da freguesia
do Pombalinho do concelho de Santarém para o da Golegã vai permitir sanar os
problemas em torno dos limites territoriais dos dois concelhos no lugar de
Casal Centeio. Até agora a rua 5 de Outubro estava dividida ao meio entre os
dois municípios. As casas do lado norte da rua pertencem à freguesia de
Azinhaga e ao concelho da Golegã. As casas do outro lado da rua pertenciam até
aqui à freguesia do Pombalinho e ao concelho de Santarém.A situação caricata
faz com que haja duas condutas de abastecimento de água na mesma rua, cada uma
pertencente a um município, sendo que os habitantes do lado do Pombalinho têm
vindo a pagar substancialmente mais de factura de água do que os vizinhos do
outro lado da rua, já que as empresas que gerem esse serviço são
diferentes.Maria Odete Cavaleiro, residente no nº 38 da rua 5 de Outubro, teve
durante muitos anos parte da sua propriedade dividida pelos dois concelhos.
Tinha quatro casas herdadas dos pais que estavam no concelho de Santarém e
posteriormente construiu uma casa de banho, sala e despensa que já se
encontravam no concelho da Golegã, tal como a garagem e horta. Conclusão:
durante anos andou a pagar contribuições autárquicas (hoje IMI) na Golegã e em
Santarém sobre imóveis que estão numa mesma propriedade atravessada ao meio
pelo limite de dois concelhos.Do outro lado da rua, Maria Silvina Alves também
se congratula com a mudança administrativa de Santarém para a Golegã, embora
jogue à defesa. “No fim é que se vai ver”. Mas confessa que gosta mais da
Golegã, onde habitualmente faz as suas compras. Com a mudança deverá também
passar a pagar menos da conta da água, uma vantagem concreta que a leva a
sorrir. “Deus queira que sim. Se for assim já é uma ajuda”, diz a idosa.Uma
nova esperança para a Rua de Santo AntónioSão anos e anos de promessas sem que
as obras na rua de Santo António, no Pombalinho, saiam do papel. Proprietária
de um mini-mercado e de um café nessa artéria, Júlia Costa está farta das
inundações na via, que conduz ao cemitério, sempre que chove demasiado. “Como o
presidente que lá estava nunca fez nada por nós, aproveitamos o dinamismo deste
presidente da junta e conseguimos mudar de concelho. Espero que a Golegã agora
retribua com o arranjo desta estrada”, diz.
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